sexta-feira, 11 de junho de 2010

A saúde ambiental e a medicina veterinária

Os veterinários estão despertando para um novo campo na saúde coletiva: o da saúde ambiental. As relações entre a ecologia e saúde, que reúnem a atividade humana com as condições do ecossistema e a saúde fornecem uma melhor compreensão dos processos que determinam o bem-estar das populações (NIELSEN, 2001). As atividades produtivas e suas externalidades negativas (poluição do ar, água e solo, devastação de áreas naturais, contaminação por agrotóxicos e medicamentos) provocam sérias consequências na saúde do meio ambiente natural, rural e urbano, incluindo logicamente a população humana, fato que deve ser motivo de preocupação de toda a sociedade.
E o que a medicina veterinária tem a ver com isso? Darei apenas o exemplo da produção animal; participamos de toda a cadeia produtiva, da criação à comercialização, passando pelo abate, beneficiamento, higiene e inspeção dos produtos, incluindo as práticas médicas e sanitárias com os animais. A grande maioria dessas atividades são conduzidas de forma a causar certos impactos ambientais, que mais cedo ou mais tarde irão influenciar negativamente na saúde das pessoas. Na verdade, todos nós sabemos dos efeitos que os resíduos da produção animal podem provocar, mas há uma sensação de impotência quanto ao assunto. Isto porque a nossa formação acadêmica nos sufoca com uma avalanche de conhecimentos técnicos, sem antes nos localizar no tempo e espaço: qual o papel do médico veterinário na sociedade? Sei que temos que nos preocupar com o nosso sustento, não temos tempo para salvar o planeta, mas até que ponto podemos fechar os olhos para certas coisas que acontecem no nosso campo profissional?
Fizemos (ou faremos) um juramento que diz que todas as práticas da medicina veterinária tem como finalidade proteger a saúde e o bem estar dos humanos. Continuando com o mesmo exemplo, o que fazemos no campo da produção animal tem atendido realmente a este interesse? A devastação de florestas, excesso de CO2 na atmosfera, excesso de antibióticos nos produtos de origem animal....tem protegido a saúde humana? Se pensarmos a longo prazo, seremos obrigados a admitir que não.
Muitos podem responder: temos que produzir dessa forma para alimentar as pessoas! Aí está uma falácia: para alimentar quem, caros colegas? Por acaso devastamos o nosso Cerrado e estamos invadindo a Amazônia acima para alimentar quem precisa no nosso país? Por acaso aprendemos práticas de inclusão social, de produção familiar, agroecológica, permacultural? Não. Somente ouvimos que são sonhos, utopias, práticas inviáveis. Não paramos para pensar no porquê, na verdade somos bastante desestimulados a refletir sobre isso, para que continuemos nosso papel de pecinhas-passivas-fundamentais na produção de lucro para uns poucos, e de de “externalidades negativas” para uns muitos.

Fonte: Forget G, Lebel J (2001). An ecosystem approach to human health. International Journal of Occupational and Environmental Health Supplement


Uma das formas de começar uma mudança neste campo é nos aproximarmos do campo nascente da saúde ambiental. Precisamos aprender a produzir saúde a partir de premissas novas. Por enquanto, podemos começar com a identificação de processos, desenvolvimento de indicadores e avaliação da nossa prática na produção de produtos de origem animal, todos eles: dos gêneros alimentícios às vacinas, antígenos, etc. Outro campo fundamental sobre o qual nos devemos debruçar é o acadêmico: precisamos renovar, ou criar cursos, disciplinas, ementas em bases sustentáveis, ou ecológicas, ou ecossistêmicas, o que seja. Precisamos desenvolver práticas que promovam a sustentabilidade, e conscientizar os veterinários que isto não é modismo, uma onda passageira. Em breve serão nossas poucas alternativas, e é bom nos adaptarmos o mais rápido possível. Precisamos produzir alimentos, vestimentas, medicamentos, vacinas com equilíbrio, de forma a prolongar mais um pouquinho a nossa vida neste planeta.
Como bons sanitaristas e/ou epidemiologistas que somos, é fácil compreender as interrelações que estou buscando fazer aqui: precisamos pensar que as atividades econômicas das quais os veterinários participam estão intimamente relacionadas com a saúde das populações, e temos sim uma responsabilidade enorme, pois a sociedade confia cegamente no nosso trabalho.
A saúde ambiental costuma ter como foco as relações entre o meio ambiente e a saúde humana sem levar em consideração os impactos dos espaços de trabalho. No sistema de saúde brasileiro, foi criado o setor de Saúde Ambiental, no âmbito da secretaria de vigilância à saúde (SVS), com a intenção de identificar e intervir nos processos diretamente ligados ao meio ambiente e que determinam e condicionam a saúde e qualidade de vida humana, por exemplo ao monitorar a qualidade da água, solo e do ar. Podemos contribuir e muito neste setor, precisamos nos aproximar mais dele.
Mas como começar? Podemos conhecer algumas iniciativas, como a de um veterinário canadense, David Waltner-Toews. Ele participou de um movimento que procurou desenvolver métodos para apreender a realidade sob uma nova perspectiva: a Abordagem Ecossistêmica em Saúde (ecosystem approach), desenvolvida no Canadá na década de 70 e derivada do pensamento sistêmico, e que tem ganhado espaço no campo da saúde (LEBEL, 2003). Segundo Minayo (2006), o enfoque ecossistêmico da saúde procura integrar a saúde e o ambiente por meio da ciência e tecnologia, “gerada e aplicada em consonância com gestores públicos, privados, com a sociedade civil e os segmentos populacionais afetados.”
Vejam, esta é apenas a ponta do iceberg. Como adaptar a nossa ciência veterinária a estes moldes? Este será um tema para o próximo post (ou para uma série especial deles). Acho que até aqui já tem assunto para uma boa discussão, o que acham?
Saudações cordiais!
Maria Luiza J Lawinsky

Maiores informações sobre o trabalho de Waltner-Toews:
Pagina na University of Guelph: http://www.ovc.uoguelph.ca/cfmx/popm/faculty/people/index.cfm/individual/dwaltner

Resenha sobre o seu livro: THE ECOSYSTEM APPROACH: COMPLEXITY, UNCERTAINTY, AND MANAGING FOR SUSTAINABILITY. Waltner-Toews D, Kay JJ, Lister NME, editors. New York: Columbia University Press; 2008. 383 pp :
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-311X2010000200023&script=sci_arttext

Wikipedia:
http://en.wikipedia.org/wiki/David_Waltner-Toews


Referências Bibliográficas:
LEBEL, Jean. HEALTH : An Ecosystem Approach, In_Focus, IDRC, Canada 2003;

MINAYO, C.G. MINAYO, M.C. Enfoque Ecossistêmico De Saúde: Uma Estratégia Transdisciplinar, INTERFACEHS, agosto, 2006

NIELSEN, N. Ole. Ecosystem approaches to human health. Caderno de Saúde Pública, Rio de Janeiro, 17(Suplemento):69-75, 2001.

2 comentários:

  1. Com certeza este assunto é mais do que uma realidade em vários países e não seria diferente no Brasil.
    Por pensar e acreditar que a Saúde Ambiental na Veterinária é uma das saídas para o desenvolvimento desta profissão num futuro muito próximo é que criamos a CNSA/CFMV, ou seja, a Comissão Nacional de Saúde Ambiental do CFMV, que está disposta a discutir, estudar e lutar por uma conscientização da classe veterinária sobre assuntos ligados a saúde ambiental.

    Muito bom este post!
    Parabéns Maria Luiza!

    Att,
    Claudia Scholten
    Presidente CNSA

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  2. Muito oportuna a criação da Comissão Nacional de Saúde Ambiental no âmbito do CFMV!
    Demonstra a sintonia do Conselho, e a necessidade da nossa classe se aproximar mais deste campo, que vai exigir muito mais da nossa atenção daqui para frente.
    muito grata pelo comentário, e vamos à luta!
    Att,
    Maria Luiza Lawinsky

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