segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Medicina Veterinária e Saúde Pública na RADIS


Neste mês (fev/2010) a revista Radis (Reunião, Análise e Difusão de Informações em Saúde) da ENSP/FIOCRUZ, melhor revista de saúde pública do país, veio com matéria de capa sobre a participação da Medicina Veterinária na Saúde Pública, a partir das discussões ocorridas no III Congresso Nacional de Saúde Pública Veterinária em Bonito/MS. A reportagem é do Adriano DeLavor e a matéria foi sugerida por mim e pelo Robson Bruniera que fomos conversar com os editores o ano passado.

Entrevista - Nélio Batista de Moraes

“O SUS deve ser trabalhado a partir das universidades”

Nélio Batista de Moraes, presidente da Associação Brasileira de Saúde Pública Veterinária (ABSPV), defende a inclusão do médico veterinário nas equipes do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF). Para ele, esse profissional tem papel relevante, já que atua na interação entre vigilância e atenção básica, com competência para inspecionar, identificar e diagnosticar alimentos, bem como monitorar zoonoses e ameaças ao meio ambiente. Em entrevista à Radis, Nélio falou sobre a atuação do veterinário e sobre educação permanente, anunciando para 2010 a criação da primeira pós-graduação lato sensu em Saúde Pública Veterinária.
 
Qual a importância do veterinário nas discussões de saúde pública?

As ações de promoção e prevenção propostas pelo SUS também envolvem o médico veterinário. Já na década de 40, a OPAS implantou um setor de saúde pública veterinária. A área é relevante, já que tem papel estratégico na inspeção e na fiscalização dos alimentos, através da vigilância sanitária. Grande parte dos patógenos que causam processos infecciosos na população chega através da ingestão de leite, carnes, ovos, mel, pescados e seus derivados. O veterinário tem competência para inspecionar, identificar e diagnosticar produtos que não têm condição de ser comercializados, de ir à mesa do cidadão.

E em relação às zoonoses?

OPAS e OMS apontam que dois terços das doenças emergentes no planeta são zoonoses, enfermidades que apresentam animais em seus ciclos de transmissão, como hospedeiro, como reservatório ou como vetor. Temos que ter um sistema de vigilância para seu monitoramento. É aí que entra o médico veterinário, na identificação de problemas relacionados ao meio ambiente e que possam gerar danos à população animal. O desequilíbrio ambiental é um dos fatores que hoje contribuem de forma significativa para o surgimento de patógenos desconhecidos e de enfermidades em áreas que anteriormente não eram identificadas. Há também as doenças reemergentes, que causaram danos à população há muitos anos e que hoje retornam.

Quais seriam elas?

Temos a leishmaniose tegumentar e a leishmaniose visceral, em grande processo de expansão em áreas territoriais e que levam à morte 5% das pessoas acometidas, sobretudo as crianças. A dengue também tem um quadro gravíssimo, pelo número de casos, pelo avanço das formas graves e aumento de ocorrências entre crianças. O combate ao vetor e o controle ambiental poderão ser decisivos, se unirem a atuação do veterinário e a participação popular.

Há uma invisibilidade do médico veterinário nas políticas de saúde pública?

Eu não diria invisibilidade. Há participação efetiva do veterinário dentro do próprio Ministério da Saúde. O coordenador nacional do programa da dengue é o médico veterinário; o coordenador nacional do programa de raiva também. A saúde no Brasil, antes do SUS, se baseava na medicina curativa, hospitalocêntrica e sem resolutividade, que somente via o paciente individual e seu tratamento no hospital. Os problemas que ocasionavam a morte não eram trabalhados; com o SUS, isso mudou. Grande parte dos municípios brasileiros tem médicos veterinários em seus quadros. Apesar disso, ainda não há grande visibilidade.

Como o senhor avalia a inserção do médico veterinário nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família?

Não é possível constituir uma equipe mínima de saúde hoje sem a presença de um médico, um enfermeiro, um odontólogo, um farmacêutico-bioquímico, um nutricionista, um psicólogo e um médico veterinário, além de outros profissionais, como o assistente social e o biólogo. O NASF contribui com o trabalho dos agentes comunitários de saúde (ACS), cujos resultados já são visíveis para toda a população. Recentemente, incluíram-se na Estratégia de Saúde da Família diversos profissionais de apoio, mas o médico veterinário não participa dessa equipe. Já que buscamos uma política de integração da vigilância com a atenção básica, precisamos sensibilizar a Secretaria de Atenção à Saúde para que ela inclua este profissional fundamental.

Como a categoria tem atuado nessa sensibilização?

A Associação Brasileira de Saúde Pública Veterinária, criada em 2005, tem promovido o médico veterinário e apoiado suas ações. Em 2010, teremos cursos a distância, em parceria com a UniCEUB, em Brasília, e a primeira pós-graduação lato sensu em saúde pública veterinária, parceria com o Conselho Regional de Medicina Veterinária de São Paulo. O curso terá duração de 450 horas e abrangerá temas das áreas técnica, científica e de gestão, para que o profissional também esteja qualificado para assumir postos estratégicos na área de saúde. Além disso, poderemos requerer, junto ao Conselho Federal de Veterinária, o título de especialista para profissionais que atuam na área.

Um estímulo para integração da saúde veterinária com a saúde pública...

Com toda certeza. O SUS deve ser trabalhado a partir das universidades, para que o sistema de saúde já receba profissionais com a qualificação mínima para o mercado de trabalho. O ideal é continuar a qualificação, com educação permanente. Isso traria benefícios para a população: na qualidade de diagnósticos, de atendimento e de tratamento público de alta qualidade. É isso que esperamos das universidades: um relacionamento cada vez mais estreito com os serviços (A.D.L.).

Fonte: http://www4.ensp.fiocruz.br/radis/90/capa-03.html